Alguém disse, com muita propriedade, que saudade é a memória que não morre. Foi vivenciando esta saudade que recebi um telefonema da minha querida amiga Regina Cruz Rios, viúva do contador de histórias na Bahia, meu amigo Joaquim da Cruz Rios, convidando-me para o centenário do seu nascimento. A voz firme, potente da senhora altiva de 90 anos me lançou nas lembranças dos encontros quase que semanais que tinha com ela e o seu ilustre marido, na Humberto de Campos, na Graça. Onde, fizesse chuva ou sol, lá estávamos no fim de tarde tomando sopa e comendo umas deliciosas torradas com queijo. Viajava nas histórias de Cruz Rios, que foi diretor deste nosso A TARDE por mais de seis décadas. Arquivo verdadeiro dos fatos da Bahia, ele sentia um grande prazer em me relatar as vivências que testemunhou ou que protagonizou, como se tivessem acontecido naquele dia, e eu, naturalmente, me deleitava, pois sempre gostei de ouvir história de tempos passados. Não se trata, claro, de saudosismo sem sentido, mas, certamente, só conseguimos bem entender o presente, quando pegamos lá atrás, no passado, o fio da meada do desencadeamento dos fatos. Cruz Rios, como jornalista e excelente cronista, sabia como nos reter em sua narrativa, relatando os fatos dos fazedores da história da Bahia.
A sua amizade e rompimento com Antônio Carlos Magalhães, o original, no bem dizer do meu amigo Mário Kertész, era das suas passagens mais rememoradas. Sem ressentimentos, vezes até cheio de graça, Cruz Rios falava de suas vivências com a lenda. Em seu escritório, no fim do corredor do sempre impecável a arrumado apartamento, tinha uma foto autografada de ACM, confessando a sua amizade pelo ínclito jornalista.
Infelizmente, não poderei estar presente nessa efeméride, pois estou fora do País, em compromissos doutrinários espíritas, mas exultei em receber o telefonema, repito. Regina Cruz Rios foi de essencial importância para, dentre outros fatos, fazer o seu amado membro da Academia Bahiana de Letras, evento que pude acompanhar de perto em sua gestão e realização. Naturalmente, que a eleição dependeu dos que seriam seus futuros pares acadêmicos, mas Regina encampou, brigou e com apoio firme que buscou em D. Regina Simões fez o seu amado, justa e merecidamente, membro da ilustre Academia. Verdade é que do lado de um grande homem, talvez até à frente, em tomadas firmes de decisão, estará uma mulher, e Regina Cruz Rios sempre foi firme, brigona, no melhor sentido do adjetivo, quando se tratava do seu marido e companheiro.
A nossa sociedade não sabe reverenciar a história, principalmente nesses dias de instantaneidade em tudo, mas a personalidade de uma cidade, estado ou país nasce das experiências, vivências dos seus cronistas e testemunhas, dando a todos nós o preciso conhecimento de como nos fazermos como cultura de um povo.
José Medrado
Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz