Sem sombra de dúvidas, qualquer autodeterminação precisa ser considerada, afinal de contas é como a pessoa se enxerga, inclusive para os outros. Todavia, sabemos que quando se trata de políticos, infelizmente, e principalmente brasileiros, são capazes de tudo para caírem nas “graças” do eleitorado. E cá para nós: no Brasil o eleitorado é de uma memória fraquíssima, pois esse povo (os políticos) mentem que nem “se sentem”, dizem os mais velhos, e confiam na certeza de que “o povo esquece”. Pior: esquece mesmo.
A autodeterminação de raça deveria ser vista e levada mais a sério, porque não é apenas um conceito biológico, mas apresenta um sentido histórico e social do qual os movimentos sociais negros, para pensar além da biologia, levam com justiça a questão para uma reparação contínua, até se estabelecer uma certa equanimidade, talvez seja uma aspiração utópica, pois a estrutura racista brasileira é das mais cruéis, haja vista que é dissimulada, não muito aberta, salvo as exceções.
O que pegou mal para ACM Neto, em meu entender, é que, ao se declarar no TST branco e por aqui pardo, ele se expôs como alguém que apenas raciocinou o que poderia ser o melhor para o momento: ser pardo ou branco? Muitos têm afirmado que tudo isto é uma bobagem enorme...de forma alguma, o acreditar que seja uma bobagem já, exatamente, evidencia a falta profundidade na questão, que visa ao coletivo, em busca, repito, de reparação, de se compreender que a questão não é associada à individualidade de alguém, mas a uma sociedade em seu todo, que, sim, é racista e segrega. Será que os exemplos contínuos, permanentes não remetem a isso?
Honestamente e pessoalmente, sempre vejo como grande mérito quem se sabe branco, de família classe alta e se dedica com real verdade às causas das reparações, das cotas...claro, reconhece que a sua ascendência em alguma medida se aproveitou das questões de raça, ou de etnia (em verdade é mais real se reportar à etnia) para algum tipo de vantagem, e agora se busca mitigar, fazer a ressignificação social. Assim, ora, qual o problema de se declarar branco, mas ser engajado na luta dos descendentes dos escravizados, dos povos originários por exemplo? Só evidencia compromisso com a justiça e sentimento de empatia.
A autodeterminação de cor é realmente uma forma de definir quem será beneficiado por algum processo necessário de reparação histórica, mas efetivamente a compreensão deve ser nesta direção, não a de se colocar como forma de buscar pertencimento. Os pardos, os negros, os indígenas... não buscam tribos, querem justos direitos, sonegados, usurpados por centenas de anos. É lamentável, por exemplo, que algumas faculdades tenham que ter, necessariamente, uma espécie de banca de convalidação de cor, no usufruto de ações de cotas. Infelizmente, o brasileiro, em geral, ainda guarda a tal lei de Gerson entranhada na alma.
A autodeterminação de cor, para mim, é mais do que uma questão de cotas, de empatia, é uma questão moral. Ainda que qualquer um possa se autodeterminar como for, não cabendo a pessoa alguma duvidar daquela autodeterminação, mas ao fazê-la por algum interesse, é não entender o alcance, o sentido moral dessas autodeterminações étnicas. Pessoalmente, já tive, é até engraçado, algumas discussões quando em questionários quaisquer, sem alcance de interesse, eu me dizia pardo. Os aplicadores replicavam, dizendo que eu era muito “branquinho” para ser pardo. Achava um absurdo e treplicava que era. Agora, em geral, não digo mais que sou pardo, cansei de tentar convencer pela própria evidência da minha cor, mas guardo realmente em meus conceitos que não há branco originário da Bahia. Então, passei a dizer que sou desbotado. Aí as pessoas riem e tudo bem.
josé Medrado é líder espírita, fundador da Cidade da Luz, palestrante espírita e mestre em Família pela UCSal