T ransformado em livro, um estudo sobre o autoritarismo brasileiro e o uso de posição social para intimidar ou humilhar é o foco de análise do velho e conhecido dos brasileiros: Você sabe com quem está falando? De Roberto DaMatta. Ele relata diversos casos de racismo, machismo, ignorância, arrogância e injustiça cometidos pelos chamados antigamente de “figurões”, que se utilizam dos seus, mesmos os temporários, status social, ou de posição pública, para se colocarem como superiores aos demais e, portanto, dispensados de obedecer às leis e às normas da boa convivência social, bem como dos regramentos jurídicos nacionais. Vejo, no entanto, que tem surgido uma nova versão dessa famigerada “carteirada”, ou seja, uma repaginada nada cidadã desse aspecto autoritário brasileiro. Na compensação de maus feitos, agora se diz, quando se fala de algo errado: – Fulano fez pior. Ou seja, não mais se trata da irregularidade, da ilegalidade, mas de quem as cometeu, pois a depender de quem foi, tudo pode ser justificado, ou mesmo esquecido, ignorado. Um absurdo! Agora é o Brasil do depende quem fez!
Ao que tudo parece, sob esteio dos estudos do insigne antropólogo e filósofo, a República brasileira foi incapaz, até agora, de eliminar da nossa sociedade comportamentos presos, herdados nos tempos coloniais e imperiais e que estão se renovando, haja vista a idolatria que tem crescido em torno de líderes políticos. Seja o que for de ruim que faça o líder adorado, o outro fez pior. A nossa identidade nacional está sendo cada vez mais lançada na vala comum, permitam-me, da malandragem, do velho e conhecido jeitinho brasileiro, em permanente reforço que vale a pena ser desonesto(a), pois o Brasil é para os “espertos”, ou como preferem muitos ao dizer que o Brasil não é para amadores. Lamentável, inclusive, essa assertiva, pois dá apoio e lastro ao entendimento de que só sobrevivem os profissionais das maracutaias.
Infelizmente, e talvez para uma maioria, a volatilidade dos valores, da ética sempre estará na razão direta dos interesses pessoais e de grupos, sem quaisquer pudores para explicitação. Não faz muito, vimos um conhecido líder religioso expondo que o atual presidente da República nunca beneficiou a sua emissora de tv, nem ele próprio em nada. Cabe em uma democracia o escracho público do toma lá, dá cá? Depois que inventaram as tais narrativas e fakes news não mais importam os fatos, a realidade, mas também aí vai o tal “quem disse” e então alcança esta ou aquela bolha, ou melhor dizendo, este ou aquele segmento. Dá-nos uma infeliz impressão de que a dignidade nacional está derretendo, deteriora-se porque não mais contaaautoridade ética, mas a formal, do lugar que ocupa. Triste.
José Medrado Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz medrado@cidadadaluz.com.br