E ntendo que o processo civilizatório, ao longo de sua trajetória, faz distinção entre cultura e tradição, de forma muito bem sistemática, onde a cultura é um conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais aprendidas de geração em geração por meio da vida em sociedade. Assim, a cultura é dinâmica, vai se adaptando e se acumulando, mudando sempre, inclusive com a introjeção de novos conceitos. Então, como mecanismo em movimento e cumulativo, a cultura sofre mudanças. Traços se perdem, outros se adicionam, em velocidades distintas nas diferentes sociedades. Dois mecanismos básicos permitem a mudança cultural: a invenção ou introdução de novos conceitos. Já, por outro lado, a tradição é um termo que representa entregar, passar adiante. É a continuidade com a permanência de uma visão de mundo, costumes e valores de um grupo social ou escola de pensamento. Logo, entendo que as transformações são inevitáveis, mas no acréscimo e não na desconstrução de outra. Assim dito, agora faço a junção, cultura tradicional.
Desse entendimento, confesso que fico perplexo com a festa que mais representa o Nordeste, o São João, pois percebo mais uma desconstrução em marcha, em sua tradição de forró. Mesmo com o natural surgimento de ritmos válidos, por quanto de agrado popular, mas que não guardam vínculos com a tradição nordestina. Vimos de tudo no S. João, porém pouco o verdadeiro forró. A música sertaneja, por exemplo, é fenômeno de popularidade, mas não guarda a tradição das festas de junho. Como não questionar, que a Bahia foi pródiga em contratações milionárias de cantores que não realçaram a força do Nordeste, mesmo que populares e de agrado de multidões? Destaco Wesley Safadão, que desponta como o maior cachê pago para animar festas juninas baianas. Com valores de R$ 700 mil por show, ele fez cinco apresentações no Estado, somando R$ 3,5 milhões. Nada contra o seu talento e o valor para apresentação de sua arte, mas e o sanfoneiro, cantador do sertão, pé de serra? Dirão muitos gestores que também foram contratados, apresentarão até dezenas deles, mas com quais destaques e valores?
O escritor português Antônio Sardinha, em sua obra “Os homens e as ruínas”, salienta queatradição não é apenas o passado, mas, antes, a “permanência no desenvolvimento”, a “permanência na continuidade”, de algo que gerou história, que fez e faz os nossos dias. Ou seja, se hoje temos festas juninas, devemos a esses tocadores, sanfoneiros, ao velho e bom forró. Alguns pontuarão que é disso que o povo gosta, pede, quer e os gestores precisam agradar os seus eleitores, querem multidão reconhecida pelas “festas”. As riquezas regionais se perdem, e tudo se homogeneíza, padroniza-se de Norte a Sul. Que venha o novo, sem esquecer do tradicional.