Após assistir ao programa Fantástico, fiquei me perguntando qual a matéria, entre saques a cargas tombadas, desembargador impõe trabalho análogo à escravidão a uma mulher negra, uma médica ginecologista associando cheiro forte à melanina, que mais tinha me indignado? Honestamente? Fiquei sem saber, mesmo. Porém, um sentimento me dominou: a vergonha. Fiquei com vergonha do que vi, de parte da nossa sociedade.
Em relação aos saques, muitos pensam que está no chão não tem dono. Saque é crime sim! A apropriação é crime previsto no art. 169 do Código Penal e pode levar de um mês a um ano de prisão: “apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza” é crime. Ou seja, se alguma pessoa levar para si uma parte da carga que caiu na pista, ela está cometendo um crime e pode cumprir pena de um mês a um ano de prisão, ou pagamento de multa. As cenas foram chocantes, inclusive quando pisoteiam um corpo sem vida do motorista do caminhão tombado. É preciso que se entenda que é um roubo, como outro qualquer. Não sei de onde nasceu a ideia de que o que foi evidentemente ou presumidamente perdido por alguém é considerado coisa sem dono? Não se pode normalizar, de maneira alguma esse crime.
E o tal magistrado, com pós-graduação em Direito do Trabalho, desembargador em Santa Catarina, que será investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por suspeita de manter uma mulher com deficiência em regime análogo ao escravo há décadas. O procedimento vai correr em sigilo para preservar a identidade da mulher. Piada pronta o sigilo, mas se está na lei, aí nesse aspecto há conveniência de se cumprir. O pior da situação é que, no máximo, ele será convidado a se aposentar, levando os seus proventos. Não vou nem aqui reportar a tal repisada desculpa de que a pessoa escravizada “é como se fosse da família”. Nem vergonha sente quem repete essa versão, mesmo sabendo que carrega em si toda a mentira da mentalidade escravagista que ainda reina em parte da sociedade brasileira. Nessa mesma esteira foi a ginecologista que associou à melanina, dizendo se tratar de estudo, de ciência, a cheiro forte. Mente, para justificar o seu racismo. Degradante, no entanto, é que são conceitos que estão entranhados em grande parte da população que não se dá ao trabalho de uma mínima pesquisa, a fim de demolir os seus vieses ratificadores da segregação. Cultua-se a desinformação como forma de apoio aos seus sentimentos vis. Tem me faltado paciência, em função do volume de indignação que me tem preenchido pelas explicitações do conteúdo de milhares de meus compatriotas.