A ministra Rosa Weber deu um voto de coragem e desassombro, nos estertores da sua permanência na Suprema Corte do Brasil. Prestes a se aposentar, fez questão de fazer valer a sua compreensão sobre o criminalizar a mulher que faz o aborto. Sempre pontuei que valores de fé não deveriam sobrepor ao de cidadania, afinal de contas o Brasil é de todos os brasileiros, e não apenas dos que creem em alguma fé. Sou um homem de fé, mas compreendo que a minha fé a mim me serve e sustenta, faz-me desenvolver as ações humanas que tenho, mas nunca, sinto assim, deve ser para ser verdade para todos ou fator de demonização de quem quer que seja.
Em abordagem histórica precisa, as professoras Kátia Rubinstein Tavares e Luciana Boiteaux relembram que o aborto foi criminalizado pela primeira vez na legislação brasileira no Código Criminal do Império de 1830, punindo tão somente a pessoa que realizasse o procedimento, mas nenhuma sanção sofria a gestante que praticasse em si manobras abortivas ou admitisse que outro o fizesse. A partir de 1890, o Código Penal da República passou a criminalizar também a mulher que cometesse aborto em si mesma, cuja pena poderia ser de 2 a 6 anos de prisão, caso houvesse a expulsão do feto; além do aumento e o agravamento das penas no caso de aborto provocado por terceiros e que resultasse em morte. Tais mudanças estavam em consonância com os padrões associados à época de uma crescente necessidade em disciplinar e controlar socialmente a sexualidade feminina. No Código Penal de 1940, ainda em vigor, o aborto é considerado crime, previsto nos artigos 124 a 126. A pena varia de um a três anos de prisão para a mulher ou pessoa que gesta que provocar aborto em si mesma ou consentir que outra pessoa lhe provoque. Há somente a permissão legal que autoriza a interrupção voluntária quando a gravidez é resultante de estupro ou se houver risco para a vida da mulher (artigo 128) e nos casos de anencefalia, este último por decisão do STF na ADPF 54. Mesmo assim, são notórios o drama e a burocracia que a gestante enfrenta para conseguir permissão junto ao Poder Judiciário e, também, na realização do procedimento nos hospitais públicos para acesso ao aborto legal. Já vimos inclusive crianças sendo dissuadidas por magistradas cheias de compromissos “cristãos”, aspei mesmo.
José Medrado Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz medrado@cidadadaluz.com.br